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PALAVRAS
PALAVRAS

O GIRASSOL SEM PÉTALAS   (Abel González Fagundo) 

            Un hombre que cultiva su jardín,
                       como quería Voltaire.
                                   J. L.Borges

Vou semear jardins em meu quarto,
sei que ambos tememos a morte.

Ele aprendeu a encher minhas camisas com sua sombra,
a cobrir minhas porções com seus lamentos
de bailarino estreito.

Às vezes quando não existe o mundo,
nós dois vamos desnudos a matar a manhã.
Os versos que brotam dele aliviam nosso medo,
e em farrapos eu rompo uma face
quando nas horas bárbaras a luz já não é a luz.

Vou semear jardins em meu quarto,
neste cravo que sangra por sua pele,
hei de pendurar o óleo onde um pintor qualquer
quis traçar girassóis para Vincent.

Jovem poeta cubano nascido em 1973 mas já premiado em vários concursos literários nacionais


(Françoise Hardy)
A questão

Eu não sei quem você pode ser
Eu não sei o que você espera
Eu procuro sempre conhecê-lo
E o teu silêncio perturba o meu silêncio

Eu não sei de onde vem a mentira
Será da sua voz que se cala?
Os mundos onde mergulho contra a minha vontade
São como um túnel que me assusta

Da tua distância até a minha
Nos perdemos frequentemente
E procurar compreendê-lo
É como correr atrás do vento

Eu não sei porque continuo
Dentro de um mar onde me afogo
Eu não sei porque continuo
Nesse ar que me asfixia

Você é o sangue da minha ferida
Você é o fogo que me queima
Você é minha pergunta sem resposta
Meu grito mudo e o meu silêncio

Link: http://www.vagalume.com.br/francoise-hardy/la-question-traducao.html#ixzz3Otzhm0LZ

 

De
Federico García Lorca
O Passeio de Buster Keaton e outros textos.
Trad. de Aníbal Fernandes.
Lisboa: Série K, 1984. 48 p


PAISAGEM DA MULTIDÃO QUE URINA
(NOCTURNO DE BATTERY PLACE)

Poema de Federico García Lorca
Tradução de Anibal Fernandes

Eles ficaram sós:
esperavam a velocidade das últimas bicicletas.
Elas ficaram sós:
aguardavam a morte de uma criança no veleiro japonês.
Eles, elas, ficaram sós,
a sonhar com os bicos que os pássaros abrem na agonia,
com o guarda-sol agudo que fura
o sapo esmagado ainda há pouco,
sob um silêncio de mil orelhas,
e bocas de água diminutas
nos desfiladeiros que resistem
ao feroz ataque da lua.
Chorava, a criança do veleiro, e os corações partiram-se
angustiados pelo testemunho e a vigília de todas as coisas
e porque assim mesmo nomes escuros gritavam
no chão celeste de negras pegadas,
gritavam salivas e rádios de níquel.
Não importa se a criança deixa de chorar
quando lhe espetam o último alfinete,
nem a derrota da brisa na corola do algodão,
pois há um mundo da morte com definitivos marinheiros
que hão-de subir aos arcos e congelá-los por detrás das árvores.
É inútil procurar o cotovelo
onde a noite se esquece da viagem
e espreitar um silêncio que não tenha
fatos rotos e cascas e pranto,
pois basta o banquete da aranha, minúsculo,
para desfazer o equilíbrio de todo o céu.
Para o gemido do veleiro Japonês não há remédio,
nem para esta gente oculta que tropeça nas esquinas.
Para unir as raízes num só ponto o campo morde o seu próprio rabo
e o novelo vai procurar na erva a sua ânsia insatisfeita de longitude.
A lua! Os policiais! As sereias dos transatlânticos!
Semblante de crina, de fumo; anémonas e luvas de borracha.
Tudo está roto nesta noite
aberta de pernas em cima dos terraços.
Tudo está roto por esses canos mornos
de uma terrível e silenciosa fonte.
Ó gente! Ó mulherzinhas! ó soldados!
Temos de viajar nos olhos dos idiotas,
campos livres onde silvam mansas cobras deslumbradas,
paisagens cheias de sepulcros que produzem maçãs fresquíssimas,
para nos chegar a exorbitante luz
que os ricos temem por detrás das suas lupas,
o cheiro de um só corpo com vertente dupla de lírio e rata,
e queimar-se então esta gente que pode urinar à volta de um gemido
ou nos cristais que explicam as ondas nunca repetidas.